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quinta-feira, 27 de junho de 2013

o Pasquim (...)

Por Dênis de Moraes!

Em 26 de junho de 1969, surgia o tabloide que iria influenciar o imaginário político-cultural das décadas de 1970 e 1980 — o Pasquim... O país vivia a ressaca do AI-5 e ... organizações de esquerda já optavam pela via armada.
Setores progressistas de classe média aspiravam por uma publicação que mantivesse a chama democrática acesa. O Pasquim cumpriria a missão, reunindo alguns dos mais brilhantes jornalistas, cartunistas e chargistas da época para satirizar o opressivo e desconjuntado dia-a-dia nacional.... Este artigo relembra momentos marcantes do veículo pioneiro da imprensa alternativa dos últimos decênios... Humor debochado, cortante e feroz foi espírito indomável do Pasquim. Ao pé da letra, "humor porrada", duro na queda, com a virulência de um Don Martin, da revista Mad.
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Pasquim ... em pleno reinado de trevas do general Garrastazu Médici ... Postou-se "como se precoces vocações para o jornalismo dependessem daquela ponte mágica para alcançarem a outra margem do rio caudaloso, onde suspeitávamos que estivesse a melhor profissão do mundo" (a definição é de Gabriel García Márquez, primeiro diretor da agência cubana Prensa Latina, escolhido pelo comandante Ernesto Che Guevara).
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O cartunista Henfil tomou a si a responsabilidade de mobilizar e organizar uma geração, juntando-se a Juarez Machado, Miguel Paiva, Ivan, Al e Vagner, entre outros.... Naquele ninho de contestadores, Henfil — o único com a carreira mais ou menos engrenada — representava um farol.
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Pasquim chegou às bancas em 26 de junho de 1969, com a seguinte frase em seu cabeçalho: "Aos amigos, tudo; aos inimigos, a Justiça". Em um texto mordaz, a equipe expunha o seu ideário: "Pasquim surge com duas vantagens: é um semanário com autocrítica, planejado e executado só por jornalistas que se consideram geniais, e que, como os donos dos jornais não conhecessem tal fato em termos financeiros, resolveram ser empresários"...
Pasquim não demorou a acontecer, o número 1, com uma tiragem de 14 mil exemplares, trazia uma entrevista de Ibrahim Sued ("Sou imortal sem fardão") e colaborações de Chico Buarque ("Por que sou tricolor") e Odete Lara (escrevendo sobre o Festival de Cannes), além do show de zombaria nos cartuns. Às onze horas da noite daquela quinta-feira, Sérgio Cabral recebeu um telefonema de Altair de Souza, da gráfica:
_Vamos ter que rodar mais 14 mil, porque a edição esgotou!
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Pasquim impôs-se pela imaginação incontrolável e pela quebra de formalidades. Com alvos claros: a ditadura, a classe média moralista, a grande imprensa, os coniventes de plantão. De quebra, ocupou o terreno baldio existente entre a cultura chapa-branca e tradição de esquerda, discutindo modos de vida, padrões de comportamento e até ecologia. Com a anticaretice e o humor venenoso do Pasquim, o cenário morno do nosso jornalismo adquiriu alta voltagem. A diagramação criativa valorizava as ilustrações (desenhos, caricaturas e montagens fotográficas). As frases da capa aturdiam: "Pasquim, ame-o ou deixe-o", "Um jornal que tem a coragem de não se definir", "O papel da grande imprensa: papelão", "Cada povo tem o Idi Amin que merece", "Imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados".
...          As entrevistas coletivas com personalidades as mais diversas (de Vinicius de Moraes e Darcy Ribeiro a Madame Satã e Beki Klabin), tornaram-se chamariz do jornal. No bate-papo, sem fronteiras rígidas entre entrevistados e entrevistadores (que opinavam livremente), eram reproduzidas praticamente como saíam do gravador... Outra sensação eram as Dicas... O Pasquim sobressaiu como fonte geradora de cartunistas — lançou entre 100 e 200...
...                Pasquim funcionava como uma espécie de time de onze Garrinchas - “Um verdadeiro Santos Futebol Clube, da época do Pelé" - ... "com uma linha política mais ou menos comum, embora um jogue mais recuado, outro avance bem mais, outro só lance. E há um ponto-chave: era um jornal de humor". O Pasquim era quase impautável. Rascunhava-se uma pré-pauta nas mesas dos botecos...
Ao instituir a censura prévia à imprensa pelo decreto-lei nº 1077, de 26 de janeiro de 1970, o general Médici advertia que não seriam toleradas publicações contrárias ao regime, à moral e aos bons costumes. No número 39, a Polícia Federal requisitou os originais do Pasquim . . .
Uma verdadeira força-tarefa...se mobilizou para reeditar o Pasquim. Por consenso, resolveram descentralizar os trabalhos, evitando que uma nova investida da repressão dizimasse os sobreviventes. Uns trabalhavam em casa outros se refugiavam com amigos e parentes.    [ . . . ]
Um dos momentos culminantes do Pasquim foi o Cemitério dos Mortos-Vivos. Nele, o cartunista Henfil enterrava, com sete palmos de desacato e desprezo, personalidades que, a seu juízo, simpatizavam com a ditadura, ou se omitiam politicamente... A prisão da equipe do Pasquim interrompeu a série, retomada com vigor em fins de 1971.   [ . . . ]
Na abertura política, o cartunista reavivou a metralhadora giratória para personalidades do regime militar, como o economista, diplomata e ex-ministro do Planejamento Roberto Campos, (Pasquim nº 710, 3 a 9/2/83); perfil de Campos, então senador pelo PDS de Mato Grosso:
"Nome: Roberto de Oliveira Campos.          Vulgo: Bob Fields.
Naturalidade: MT, muito antes da divisão do Estado.
Nacionalidade: polivalente — 50% americano, 30% europeu, 10% petrodólar e 10% brasileiro (a provar).
Profissão: economista da velha guarda e senador da nova".
. . . Henfil integrou-se às memoráveis campanhas pela anistia ampla, geral e irrestrita, pelo restabelecimento das eleições diretas para governadores e pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte. A agonia final do Pasquim, na segunda metade dos anos 80, coincidiu com a doença e a morte de Henfil (4 de janeiro de 1988), um ano antes, Henfil ainda mandava cartuns para o Pasquim. Nos anos seguintes, seu companheiro Jaguar fez de tudo para assegurar a sobrevivência do jornal, mas acabou tendo que passá-lo adiante. Na virada da década de 1990, o Pasquim saía da vida para gravar na História as suas inesquecíveis jornadas de rebeldia e de jornalismo verdadeiramente inovador.


Dênis de Moraes é pós-doutor em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal de Minas Gerais, doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Imagem e Informação da Universidade Federal Fluminense. É autor, entre outros livros, de O rebelde do traço: a vida de Henfil (Editora José Olympio, 1996), no qual se baseia este artigo.

O artigo completo está disponível em:
http://www.uff.br/mestcii/denis3.htm - Acessado em 26/06/2013.


Um comentário:

  1. Dedico este post à dupla de professores do IFPR campus TB: Gustavo Bahr e Joel Cavalcante!

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