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quarta-feira, 25 de julho de 2012

"utopia? Boffiniana?"


       
         Nós ocidentais, os principais responsáveis.
                   Por Leonardo Boff

O complexo de crises que avassala a humanidade nos obriga a parar e a fazer um balanço. É o momento filosofante de todo observador crítico, caso queira ir além dos discursos convencionais e intrassistêmicos. Por que chegamos à atual situação que objetivamente ameaça o futuro da vida humana e de nossa obra civilizatória? Respondemos sem maiores justificativas: principais causadores deste percurso são aqueles que nos últimos séculos detiveram o poder, o saber e o ter. Eles se propuseram a dominar a natureza, conquistar o mundo inteiro, subjugar os povos e colocar tudo a serviço de seus interesses.
Para isso foi utilizada uma arma poderosa: a tecnociência. Pela ciência identificaram como funciona a natureza e pela técnica operaram intervenções para benefício humano sem reparar nas conseqüências. Esses senhores que realizaram esta saga foram os ocidentais europeus. Nós, latino-americanos, fomos à força agregados a eles como um apêndice: o Extremo Ocidente. Estes ocidentais, entretanto, estão hoje extremamente perplexos. Perguntando-se aturdidos: como podemos estar no olho da crise, se possuímos o melhor saber, a melhor democracia, a melhor consciência dos direitos, a melhor economia, a melhor técnica, o melhor cinema, a maior força militar e a melhor religião, o cristianismo?
Ora, estas “conquistas” estão postas em xeque, pois elas, não obstante seu valor, inegavelmente não nos fornecem mais nenhum horizonte de esperança. Sentimos: o tempo ocidental se esgotou e já passou. Por isso perdeu qualquer legitimidade e força de convencimento.
Arnold Toynbee, analisando as grandes civilizações, notou esta constante histórica: sempre que o arsenal de respostas para os desafios não é mais suficiente, as civilizações entram em crise, começam a esfacelar-se até o seu colapso ou assimilação por outra. Esta traz renovado vigor, novos sonhos e novos sentidos de vida pessoais e coletivos. Qual virá? Quem o Sabe? Eis a questão cruciante.
O que agravava a crise é a persistente arrogância ocidental. Mesmo em decadência, os ocidentais se imaginam ainda a referência obrigatória para todos. Para a Bíblia e para os gregos, esse comportamento constituía o supremo desvio, pois as pessoas se colocavam no mesmo pedestal da divindade, tida como a referência suprema e a Última Realidade. Chamavam a essa atitude de hybris, quer dizer: arrogância e excesso do próprio eu.
Foi esta arrogância que levou os EUA a intervirem, com razões mentirosas, no Iraque, depois no Afeganistão e antes na América Latina, sustentando por muitos anos regimes ditatoriais militares e a vergonhosa operação Condor, pela qual centenas de lideranças de vários países da América Latina foram seqüestradas e assassinadas.
Com o novo presidente, Barack Obama, se esperava um novo rumo, mais multipolar, respeitador das diferenças culturais e compassivo para com os vulneráveis. Ledo engano. Está levando avante o projeto imperial na mesma linha do fundamentalista Bush. Não mudou substancialmente nada nesta estratégia de arrogância. Ao contrário, inaugurou algo inaudito e perverso: uma guerra não declarada usando “drones”, aviões não tripulados. Dirigidos eletronicamente a partir de frias salas de bases militares no Texas, atacam, matando lideranças individuais e até grupos inteiros nos quais supõe estarem terroristas.
O próprio cristianismo, em suas várias vertentes, se distanciou do ecumenismo e está assumindo traços fundamentalistas. Há uma disputa no mercado religioso para ver qual das denominações mais aglomera fiéis. Assistimos na Rio+20 à mesma arrogância dos poderosos, recusando-se a participar e a buscar convergências mínimas que aliviassem a crise da Terra.
E pensar que, no fundo, procuramos apenas a singela utopia, bem expressa por Pablo Milanes e Chico Buarque: “A história poderia ser um carro alegre, cheio de um povo contente”.

    Leonardo Boff é professor, escritor, filósofo, teólogo, doutor em Teologia e Filosofia pela Universidade de Munique (Alemanha), doutor honóris causa em Política pela Universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela Universidade de Lund (Suécia).
Retirado do jornal Correio do Vale, de 18 a 24 de julho de 2012; ano XVI – nº. 1013.


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