Fonte: Montagem Bol |
do BOL, em São Paulo
22/02/2019 13h27
De onde vem o termo milícia?
"Impressiona,
no estudo do uso do termo milícia ao longo da história mundial, seu uso
equivocado recentemente. A palavra 'militia' tem raízes latinas que significam
'soldado' (miles) e 'estado, condição ou atividade' (itia) e que, juntas,
sugerem o serviço militar. Mas milícia é comumente usada para designar uma
força militar composta de cidadãos ou civis que pegam em armas para garantir
sua defesa, o cumprimento da lei e o serviço paramilitar em situações de
emergência, sem que os integrantes recebam salário ou cumpram função
especificada em normas institucionais", explica a antropóloga Alba Maria
Zaluar.
Como surgiram as milícias?
O que são milícias?
Qual o propósito das
milícias?
Como as milícias atuam?
Como a milícia se enquadra
na lei?
Existe solução para as
milícias?
De onde vem o termo milícia?
"Impressiona,
no estudo do uso do termo milícia ao longo da história mundial, seu uso
equivocado recentemente. A palavra 'militia' tem raízes latinas que significam
'soldado' (miles) e 'estado, condição ou atividade' (itia) e que, juntas,
sugerem o serviço militar. Mas milícia é comumente usada para designar uma
força militar composta de cidadãos ou civis que pegam em armas para garantir
sua defesa, o cumprimento da lei e o serviço paramilitar em situações de
emergência, sem que os integrantes recebam salário ou cumpram função
especificada em normas institucionais", explica a antropóloga Alba Maria
Zaluar.
Como surgiram as milícias?
O
antropólogo Paulo Storani divide o surgimento das milícias em três etapas,
sendo a primeira referência, em meados da década de 1980, como uma organização
comunitária para autoproteção, exercida pelos próprios moradores de
comunidades constituídas de operários nordestinos que trabalhavam nas obras da
explosão imobiliária da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, para evitar a instalação
do tráfico de drogas. A segunda etapa foi formada por agentes públicos que
receberam casas em conjuntos habitacionais construídas pelo governo, na zona
oeste da cidade do Rio de Janeiro. Eles se organizaram em grupos na tentativa
de impedir a instalação de traficantes e repreender delitos. A terceira etapa
se deu pela oportunidade que policiais encontraram de explorar atividades
econômicas nas comunidades, após expulsarem os traficantes de drogas e outros
criminosos, quando não os empregavam. As três etapas fizeram surgir um modelo
específico de atividade criminosa que passou a se designar como milícia.
O sociólogo José Cláudio Souza Alves enxerga o surgimento
em outra perspectiva: "A gestação das milícias aconteceu entre 1995 e
2000, quando aumentam as ocupações de terra na zona oeste do Rio. Nessas
ocupações começam a surgir lideranças, muitas delas autoritárias. Esses líderes
perambulavam em todos os setores das comunidades, até que, em 2000, entram na
política", explica. "As milícias são sustentadas por dois braços: o
econômico e o político. No início dos anos 2000, quando realmente entram na
política, as milícias se tornam mais poderosas e começam a atuar em diferentes
frentes, diversificando e fortalecendo o braço econômico. A junção de grupos de
extermínio dos anos 70 e seu envolvimento no tráfico de drogas na década de 90
dão origem às milícias", completa.
O que são milícias?
"Milícias
são grupos criminosos formados a partir de agentes de segurança pública",
explica José Cláudio Souza Alves, doutor em sociologia com ênfase em violência
urbana pela Universidade de São Paulo e professor titular da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro. "São grupos paramilitares compostos por
agentes públicos de segurança ou civis, que se organizam para exercer funções
típicas de Estado, como segurança pública", complementa o antropólogo
Paulo Storani, ex-capitão do Bope.
Para Storani, o termo milícia passou a ser usado para
designar grupos compostos por policiais, bombeiros, agentes penitenciários e
civis que exercem o controle de comunidades: "Cobram por segurança ou
exploram atividades econômicas, exercendo seu poder por meio de armas de fogo e
intimidação das pessoas pela violência física ou psicológica".
Qual o propósito das
milícias?
"A
função das milícias é ter ganhos políticos, econômicos, sociais e culturais.
São esses ganhos que distinguem a milícia de grupos de extermínio. Podemos
dizer que as milícias são a restruturação desses grupos de extermínio",
explica o sociólogo José Cláudio Souza Alves. O pesquisador acredita que as
milícias só existem por haver uma intenção do Estado de manter esses grupos.
"Muitos falam em poder paralelo, mas isso é uma grande farsa, o próprio
Estado é o poder. As ilicitudes são organizações 'permitidas' pelo Estado para
manter as classes dominantes. O Estado estar ausente é uma mentira; na verdade,
ele opta por estar por fora, sendo conivente com o que se passa", completa
Alves.
Alba Maria Zaluar, doutora em antropologia pela USP,
explica de forma prática a relação entre milicianos e cidadãos para compreender
seu propósito: "Há uma diversidade de situações na relação entre
milicianos e moradores das comunidades, sendo que as mais desenvolvidas no
processo de vender segurança são as de milicianos que, além de imporem o seu
serviço aos moradores amedrontados, acrescentam outras exigências, tais como a
compra de mercadorias mais caras, a compra de sinal ilegal de TV a cabo, o
pagamento de taxas por cooperativas de transporte alternativo que circulam em
seu território, o pagamento de altos percentuais para a compra, venda e aluguel
de imóveis".
Como as milícias atuam?
Segundo o
antropólogo Paulo Storani, as milícias atuam em comunidades carentes de
atenção, com ações permanentes da polícia e desconsideradas pela mídia.
"São mais organizadas que os traficantes, por serem compostas por agentes
ou ex-agentes públicos, que buscam se infiltrar na política, como forma
de aumento de seu poder e influência", explica.
O poder das milícias
está justamente em se estruturar em diferentes frentes, conforme esclarece o
professor José Cláudio Souza Alves: "No início, os grupos de extermínio
viviam à base de taxas para a segurança nas comunidades e execuções sumárias; a
milícia veio para transformar esse jogo. Hoje, milicianos cobram moradores por
segurança nas comunidades, vendem água, gás, cigarro, estão inseridos na
política e até traficam drogas". E o pesquisador completa: "A milícia
é a face mais sombria e violenta do Brasil atual, principalmente no Rio de
Janeiro" (grifo nosso).
Para Alba Maria Zaluar, doutora em antropologia, as formas
de atuação das milícias podem ser muito diversas: "O trabalho de
campo etnográfico nas áreas dominadas por milícias no Rio de Janeiro revelou
que, apesar das semelhanças na sua composição e na forma de extrair lucros do
território dominado, havia muitas diferenças na maneira de atuação desses
grupos. Algumas milícias não aceitam bailes funk, enquanto outras os estimulam.
Umas fazem a ronda sem ostentar armas, em outras seus membros portam-nas e usam
até toucas de ninja na comunidade, embora sempre detenham o monopólio do uso de
armas. Algumas apresentam atitudes e comportamentos mais previsíveis, sendo
possível orientar-se pelo que se espera dos seus membros, enquanto outras são o
reino do arbítrio".
Como a milícia se enquadra
na lei?
Daniel
Raizman, professor de direito penal e criminologia na Universidade Federal
Fluminense, explica que o Código Penal foi atualizado em 2012 para enquadrar a
milícia como um tipo de crime específico, pois antes era julgada como quadrilha
ou bando. "Era difícil tipificar milícia como quadrilha, ela tem suas
especificidades. Porém a legislação entendeu que o Estado devia ser claro que
milícia é crime", explica Raizman.
O artigo 288-A do Código Penal diz
que é crime constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização
paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de
praticar qualquer dos crimes previstos no Código.
Raizman esclarece
que, na legislação criminal, a milícia não está explicitamente mencionada,
mas pode se enquadrar na Lei 12.850 como organização criminosa.
Para o professor, organizações criminosas existem no mundo
todo, mas cada país tem suas individualidades, como no caso da milícia: "A
importância de especificar milícias no Código Penal está em tratá-la de forma
específica como o fenômeno que é", explica.
Existe solução para as
milícias?
Para
encarar uma questão enraizada na sociedade carioca, é preciso encarar a
realidade: não existe solução fácil. O antropólogo Paulo Storani tem uma visão
pessimista sobre o futuro: "Da mesma forma que o tráfico de drogas, não
tem solução para as milícias. Pela falta de uma estrutura eficiente de
fiscalização e investigação, morosidade processual penal por parte do Estado,
falta de penas duras e de um regime de execução penal que realmente
mantenha os criminosos presos, qualquer perspectiva positiva se transforma
em utopia", explica. "Anos de condescendência por parte dos poderes
constituídos permitiram a construção desse cenário atual, portanto, urge a
necessidade de um grave esforço político para desenvolvimento de políticas
públicas que permitam uma inflexão desse cenário", completa.
José Cláudio Souza
Alves discorda do ex-comandante do Bope: "O tráfico não é o problema.
Para começar, precisamos mudar nossas políticas de drogas. Outro ponto, a
polícia não pode ser homicida e suicida, precisamos repensar a Polícia Militar.
Precisamos criar políticas sociais para jovens envolvidos com o tráfico, como
incentivo à educação, cultura, mobilidade e esporte. Esses jovens também
precisam de acompanhamento psicológico e um emprego digno. Agora, quando isso
vai ser prioridade?", finaliza.
Fonte da imagem e das informações: https://www.bol.uol.com.br/listas/o-que-e-milicia.htm
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