Monte Alegre do dia a
dia
Eram dois amigos, o Meira e o
Rodrigues. Amigos desde que habitavam os barracões de duzentos beliches, para
solteiros. Casaram. Passaram a morar numa das casinhas de pinho de Lagoa.
Batizaram mutuamente os filhos. Tornaram-se compadres. No trabalho estavam
juntos, paranaenses calados, de pouca conversa. Nas horas de folga, a cachaça
cortava a inibição.
Da janela de seu escritório, Luiz
Vieira os via na praça, da vila recém-arruada. Um dia, notou que se metiam num
tumulto... O álcool tornava os homens belicosos... Rodrigues e Meira tinham
saído do bar... Atiraram-se mutuamente. Caíram ambos ao mesmo tempo. O pó
levantou em torno dos corpos...
Não eram as primeiras vítimas da
bebida à solta.
Luiz Vieira concluiu que não podia continuar assim...
Decretou a Lei Seca em toda a Fazenda Monte Alegre.
( . . . )
No Posto da Corrente, à entrada da
única estrada para a Fazenda (um ramal da Estrada do Cerne), cada viajante
entregava a bagagem para uma revista minuciosa. Era proibido carregar armas e
traficar bebidas alcóolicas.
Houve protestos, ameaças e
reclamações de toda ordem. Às escondidas, o contrabando começou.
_O contrabando maior era feito pelo
Rio Tibagi... – Conta Luiz Vieira.
_ Os contrabandistas haviam estendido
um cabo aéreo de margem a margem. De noite, reuniam-se e começavam a puxá-lo,
por intermédio de uma roldana. Prendia nele as garrafas, com um arame . . .
Mas a cachaça vinha, também, presa à
cintura dos que se arriscavam à nado; oculta, no fundo das canoas; amarradas
debaixo do casco, vertida nos tanques de gasolina dos caminhões que então
funcionavam a gasogênio, escondidas nos cupins do campo, e até dentro duns pães
compridos, especiais, que alguns privilegiados recebiam de Piraí.
_Era justo que os homens tomassem seu
aperitivo. Permiti a venda de uma garrafa de vermute por mês, obtendo dos
chefes-de-turma a promessa de que não haveria bebedeiras e brigas. Pois
justamente um deles me aparece num pifão lascado.
_Você está bebidozinho, heim?
Disse-lhe eu.
_Pois estou mesmo, dr. Vieira. O sr.
está vendo – Pra quê negar?... _E o homem balançava-se nas pernas, de pálpebras
caídas, na maior das carraspanas.
_E você ficou assim só com uma
garrafa de vermute?
_Não, dr. Vieira. Eu fui comprando e
guardando. Não tomei um trago. Economizei três meses, na maior lei seca... e
hoje tirei para beber tudo de uma vez...
(pausa para risos)
A lei seca continuou em vigor e
evitou muitas mortes. Pouco a pouco foi atenuada, com a permissão para venda de
número controlado de garrafas de vinho e cerveja, nos fins de semana. O
contrabando, porém, não cessou: A Cachaça do paixão valia vinte mil réis a
garrafa ou seja cerca de 10% do salário comum da época.
Afinal, que outro divertimento conheciam
aqueles rudes trabalhadores, a maioria ex-lavradores de Ortigueira, Piraí,
Reserva, Lajeado, Faxinal ou Natinguí? Que tinham para fazer, além de tomar “os
goles”, quando não estavam de serviço?
Fonte: Retirado da obra de HELLÊ VELLOZO FERNANDES:
Monte Alegre - cidade papel. 1974; p. 86 a 88.
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