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quinta-feira, 8 de julho de 2021

Cem anos do "Complexo" Morin

Cem anos de Morin, filósofo da Complexidade

“Com frequência, é preciso ser um desviante minoritário para estar no real.
Embora, aparentemente, nele não haja nenhuma perspectiva,
nenhuma possibilidade, nenhuma salvação, a realidade
não está paralisada para sempre, ela tem seu mistério e sua incerteza.
O importante é não aceitar o fato consumado”
Edgar Morin

        Em OUTRAS PALAVRAS    por Publicado 07/07/2021 às 19:48 - Atualizado 07/07/2021 às 20:29.

A ' perspectiva de ' extinção ' da espécie humana em decorrência de suas próprias ações, como vêm apontando ' especialistas nas ciências da Terra, provavelmente será um dos principais estigmas a assombrar a humanidade neste século XXI. Inauguramos um tempo sombrio ... nesta Era do Antropoceno, ' por meio da hegemonia capitalista predatória ', o estágio mais avançado ' de dominação e subordinação da natureza e, ' de pulsão de morte e de autoaniquilação.

O trágico século XX foi marcado pelas guerras e pelos totalitarismos ' no seio dos dois principais projetos civilizatórios fracassados – o capitalismo e o socialismo real –, ' ao longo do período em que a humanidade vivenciou os maiores horrores contra a condição humana. Estima-se que ' 187 milhões de vidas foram dizimadas (Brzezinski, 1993) por deliberações humanas, o equivalente a algo em torno de 12% da população mundial em 1900. Neste início do século XXI, ' a insistência da humanidade em continuar na rota ecocida ' capitalista, a degradação ambiental ' planetária, combinada ao ' declínio das democracias e às ameaças ' do fenômeno da algoritmização ' patrocinados pela globalização ' tecnomercadológica de mundo, constituem os ' principais motores da ' barbárie civilizatória ' para as próximas décadas.

... Como entender e resistir a um comportamento humano tão esquizofrênico, ecocida e, no limite, suicida?

Um pensador planetário     -        Uma das respostas ... está na trajetória de vida de um dos mais prodigiosos pensadores contemporâneos, que em (08/07/2021) celebrou seus 100 anos ... Estamos falando do multifacetado Edgar Morin, notável pensador francês que, mesmo ' centenário, conseguiu manter, ' a sua lucidez e capacidade de compreender ' as realidades ' precárias que ele mesmo vivenciou ...

O renomado sociólogo francês Alain Touraine o chamou de “humanista planetário”. ' Morin é reconhecido por muitos como um pensador planetário que, ' optou por transitar, ' pela sociologia, filosofia, antropologia, biologia e muitas outras áreas do saber, ' buscando as conexões ...

' Morin começou a perceber que a realidade não poderia ser reduzida às noções de ordem, certeza ' e causalidade linear – atributos ' alicerces dos ideais iluministas da modernidade, ainda ' dominantes na contemporaneidade. Para ele, a busca da compreensão do real está nas incessantes interações e retrointerações entre uma infinidade de componentes que o integram, isto é, a realidade é mais bem compreendida pelo entrelaçamento de atributos como incerteza, desordem e acaso.

... “A complexidade”, afirma Morin, “é o desafio, não a resposta”. Diferentemente das visões de mundo que moldaram a experiência humana no passado e ainda ' no presente, ' a origem do termo complexo vem do latim complexus, que significa “o que é tecido junto”, ... Ela procura acolher e conciliar as inúmeras “verdades” que tentam decifrar a realidade . Ela reconhece ... um oceano de relações e de incessantes interações que integram o real ... cujos principais atributos parecem mais próximos da ideia de aleatoriedade, diversidade, ambiguidade, pluralidade, instabilidade, multiplicidade, imprevisibilidade e incerteza.

Uma vida desafiada pelo inesperado   -        ... Morin ' chega ao mundo em 8 de julho de 1921, tendo seu primeiro contato com o imprevisível. Segundo ele, “o parto foi um momento trágico, no sentido de que a vida de minha mãe necessitava da minha morte e minha vida devia provocar sua própria morte. Minha mãe sobreviveu à expulsão, mas eu nasci quase morto, estrangulado pelo cordão umbilical”. A mãe ... faleceu 10 anos depois, o segundo imprevisível ' na vida de Morin, que lhe provocou “uma Hiroshima interior”...

Sua adolescência foi marcada pelas turbulências da Europa dos anos 1930, que se afundou em regimes ditatoriais implacáveis e sanguinários ...

Após a guerra, em 1945, Morin voluntariou-se para ajudar na reconstrução da Europa e foi nomeado oficial do exército francês ' para trabalhar numa Alemanha devastada. Lá escreveu seu primeiro livro, O ano zero da Alemanha (L’An zéro de l’Allemagne. Paris, França: La Cité universelle, 1946). Nessa obra, ' registra suas primeiras percepções acerca da complexidade do real. Ele mergulha nas contradições da condição humana ao refletir sobre a trágica experiência do povo alemão na guerra. Como uma sociedade que produziu mentes notáveis como Hegel, Marx, Brecht, Kant, Beethoven e tantos outros foi capaz de se deixar levar pelo devaneio nazista? ' Reflete Morin, “' como era possível ' aquela nação, que abrigou a mais rica filosofia, a mais bela música, uma cultura extraordinária, tenha sucumbido ao nazismo”.

... Outros momentos marcantes de sua vida podem ser consultados no sítio eletrônico produzido pelo SESC-SP (acesso aqui), que reúne o melhor acervo, disponível no Brasil, sobre a vida, a obra e a visão de mundo desse extraordinário pensador.

A cegueira diante da complexidade do real   -        Todas essas experiências ' parecem ter ajudado Morin a desenvolver ' múltiplas capacidades de compreensão ', para além do que a visão de mundo ' sempre impôs em cada momento '. Capacidades que se manifestam ' até hoje, mesmo ' tendo alcançado ' seu centenário ... Sua principal proposta para ' nossa percepção do real está no “pensamento complexo”, que procura compreender que os fenômenos ' não podem ser traduzidos pelas dualidades cartesianas ' ordem/desordem, sujeito/objeto, alma/corpo, espírito/matéria, ' emoção/razão, liberdade/determinismo, dentre ' outras. Na visão complexa de ' Morin, todas essas dicotomias não são ' tão separadas e excludentes como imagina a visão de mundo cartesiana, que sustenta o ideário tecnoeconomicista atualmente hegemônico.

(...)

Foi graças ao trabalho de Morin que ' autores ' do conhecimento passaram a desenvolver ' métodos de cognição e investigação dos problemas que se colocam diante da experiência humana. A partir desse ' olhar, que considera que o real é “tecido junto”, novos pressupostos para colocar o pensamento complexo em prática já estão sendo adotados. Daí surgiu ... a aplicação dos chamados operadores cognitivos do pensamento complexo '. São eles: circularidade, autoprodução/auto-organização, operador dialógico, operador hologramático, integração sujeito-objeto e ecologia da ação.

Para quem deseja aprofundar-se na ' obra de Morin, que compreende mais de 100 livros (incluindo-se ' parcerias ' com diversos autores), e nas suas formulações sobre a teia de relações que integram o mundo real ... para quem deseja ' melhor compreensão das ' nuances ' nas concepções sobre a vida, a condição humana, o nosso destino, e ' uma ética ' que nos permita ' melhor conexão com a complexidade do mundo real ' de modo a evitar o abismo para o qual estamos caminhando ...

Compreender a condição humana        -        Um dos legados mais importantes da abrangente obra de Morin talvez esteja nas suas reflexões em torno da condição humana ... que define o ser humano exclusivamente pela racionalidade tecnoeconomicista. O homem é, a um só tempo, sapiens e demens (sábio e louco), faber e ludens (trabalhador e lúdico), empiricus e imaginarius (empírico e imaginário), economicus e consumans (econômico e consumista), prosaicus e poeticus (prosaico e poético).

Somos, portanto, mais bem compreendidos pela ideia de um Homo complexus, que nas palavras de Morin significa que “o ser humano é um ser racional e irracional, capaz de medida e desmedida; sujeito de afetividade intensa e instável” ... Morin alerta, que “quando há hegemonia de ilusões, excesso desencadeado, então o Homo demens submete o Homo sapiens e subordina a inteligência racional a serviço de seus monstros”.

( ... )

Contrariando ' supostos benefícios ' de um progresso da humanidade, que poderiam advir ' dos algoritmos, ' que se conseguiu até agora com essa visão cibernética de mundo foi amplificar ' o ímpeto de controle, dominação e apropriação da verdade que caracteriza a cultura patriarcal milenar. De um lado, afloram ' novas regressões sob variadas formas: ameaças às democracias em muitos países, corrupção generalizada, desigualdades socioeconômicas ', regimes totalitários, ' crime organizado, xenofobia, racismo e outras formas de desagregação do tecido social. De outro, assistimos ' a um processo de degradação ambiental em escala planetária, que já nos colocou dentro da sexta extinção em massa e ameaça nossa sobrevivência como espécie.

No fundo, ' Morin nos mostra ' que estamos no cerne de uma mudança ' histórica, na qual há uma ' crise de percepção que fragmenta os modos de interpretação da realidade ' que constitui a gênese da vulnerabilidade institucional que fragmenta os modos de intervenção nessa mesma realidade ... Morin propõe uma passagem ... para o pensamento complexo, cujo enfoque está nas interações, incertezas e imprevisibilidades, que é bem mais abrangente para lidar com a complexidade da condição humana e da realidade que a cerca...

A esperança na metamorfose       -        ... Como diz Morin, “por todo lugar se aceleram e se amplificam a crise da democracia, a crise da biosfera, a crise do pensamento, o sonambulismo político, e também os delírios xenófobos, racistas e belicistas”. Razão pela qual ele alerta que “a desintegração é provável. O improvável, mas possível é a metamorfose”. A aposta na metamorfose ' é o elemento catalisador da capacidade humana, diante da ' da autodestruição, de mudar seu modo de ver e interagir com o mundo e, ' ressignificar-se diante de uma crise ' profunda, pois, nas atuais condições do nosso planeta, sem ' mudança ' em nosso modo ' não teremos futuro. “Quanto mais nos aproximamos da catástrofe”, diz Morin, “mais a metamorfose é possível. Então, a esperança pode vir do desespero”.

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Salve a vitalidade de Edgar Morin! Salve a sua centenária e vigorosa rebeldia! ' Que nos instiga a aceitar e a abraçar a complexidade das dinâmicas que sustentam a vida, para nos livrarmos ' da insanidade capitalista que está destruindo ' nossa humanidade e a ' biosfera. Uma ' inspiração para superarmos ' impasses civilizatórios deste século, enquanto ainda temos tempo.

 

        De nossa parte interessou pesquisar/conhecer um pouquinho melhor sobre a vida e obra desse amável autor. Até como parte e nos integrando melhor aos  estudos realizados no âmbito da Disciplina "Direitos Humanos e Cultura de Paz na Perspectiva das Epistemologias do Sul", na condição de aluno Especial do PPGCSA (Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais Aplicadas), Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa) - turma 2021. Sob a coordenação e orientação do professor Dr. Nei Alberto Salles Filho.

Editado em 09/07/2021 às 10h21min.

Fonte da postagem acima com o conteúdo na íntegra, à quem possa interessar, bem como suas referências aos interessados em conhecer mais sobre a temática:
https://outraspalavras.net/terraeantropoceno/cem-anos-morin-filosofo-da-complexidade/.
Acessado em 08 de julho de 2021.


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