SEM QUERER INTERROMPER, MAS JÁ INTERROMPENDO
Martha Medeiros
Não é um defeito que mereça entrar no rol dos crimes hediondos, mas é bem chato: pessoas que falam
em cima da fala da gente. Ainda nem terminamos a frase, e o nosso interlocutor já está falando junto,
numa demonstração clara de que não importa o que estamos dizendo, ele próprio tem algo mais
importante a dizer.
Pode parecer uma crítica, mas é, na verdade, uma autocrítica: entre essas pessoas, estou eu mesma.
Minha família é ótima, alegre, desinibida, mas tem essa mania incontrolável: todos falam em cima dos
outros. Não somos italianos, e sim ansiosos (nascidos e criados num país fictício chamado Ânsia). É um
costume que passa de geração para geração. Mães, pais, avós, tios, primas, todos praticam essa
esquizofrenia de não permitir que ninguém termine uma fala, ninguém. A conversa é de doidos, mas as
festas são animadas.
Fui incorrigível, desse mesmo jeito, por muito tempo, até que comecei a perceber o quanto a situação é
desagradável para quem não faz parte da nossa árvore genealógica. Levei uns puxões de orelha das
amigas, o que me salvou. Hoje, se não estou 100% curada, posso dizer que já consigo me conter um
pouco. Procuro não sair falando junto, em cima, atrapalhando o trânsito das palavras. Ouço o que o
outro tem a dizer, mas ainda cometo o pecado de terminar a frase por ele. Basta que o coitado vacile na
conclusão da sua argumentação, buscando uma palavra que não vem, e eu rapidamente encontro a
palavra que ele procurava. Quase sempre acerto, o que não me redime. Por que raios não esperei ele
próprio encerrar seu discurso? Nascida em Ânsia, num lugarejo chamado Impaciência.
Nós, os acelerados de berço, não fazemos por mal, mas precisamos nos dar conta de que duas pessoas
falando juntas é a anticomunicação. Sabemos como é azucrinante ter que concluir nosso pensamento e
ao mesmo tempo ouvir o que o nosso interlocutor está dizendo. Por isso me compadeço de
entrevistadores que usam um ponto eletrônico no ouvido, aquele dispositivo que permite que se receba
instruções do diretor do programa. Que sufoco ouvir duas vozes ao mesmo tempo, a do entrevistado
falando sobre sua obra e a do diretor avisando: "Arruma o cabelo que caiu no rosto", "Não esquece de
perguntar sobre o escândalo do ano passado", "Corta esse chato e chama o comercial".
Duas vozes simultâneas: adeus, diálogo. Faz alguns anos que prometi a mim mesma: não vou mais me
atravessar. Vou aguardar minha vez. Esperar a amiga falar, o namorado concluir. Vou escutar. Vou
respeitar. Quieta, deixa ele acabar. Ai, que aflição, não vou conseguir. Putz, não me segurei. Falei em
cima, de novo.
Questão 1 - Para a autora do texto, falar junto quando outra pessoa está falando:
A) sinaliza uma reflexão e a autocrítica;
B) faz parte da vida de todos os interlocutores;
C) é costume de pessoas que não concluem sua argumentação;
D) é um sintoma de uma doença chamada esquizofrenia;
E) é o oposto da efetiva comunicação - SIM, esta é a resposta certa, pois não há comunicação efetiva. Não se conclui uma fala ou um raciocínio (por falta de educação ou de interesse da parte interruptora).
Questão 2 - Leia a assertiva a respeito do texto.
No texto, a autora diz que quase sempre acerta o que a outra pessoa quer dizer quando a interrompe,
__________ ela ache que o fato de acertar não a redime da interrupção.
Assinale a alternativa que apresenta um conector adequado para completar a assertiva, mantendo o
sentido e a coesão do texto.
A) por isso que;
B) entretanto;
C) contanto que;
D) embora - Mesmo que tenhamos certeza absoluta do que iríamos falar, por educação, deve-se esperar o outro concluir sua fala (por educação e respeito ao nosso interlocutor);
E) portanto.
Questão 3 - A autora do texto, ao incluir a ela e sua família no grupo de pessoas que interrompem o interlocutor:
A) exprime orgulho das festas que sua família participa;
B) reconhece um costume que passa de geração para geração - Enquanto não reconhecermos a falha e não fizermos algo para melhorar, ela se perpetuará (seguiremos sem educação e sem respeito à fala dos outros);
C) demonstra que não se adequa aos costumes familiares;
D) lamenta as interrupções que ocorrem durante as festas;
E) afirma que ela e os familiares priorizam a comunicação eficaz.
Questão 4 - O fato da autora reconhecer seu hábito de interromper as pessoas fez com que ela:
A) tentasse mudar sua atitude em relação às interrupções - Eu venho tentando, mas o que de fato venho percebendo, é que fico sem fala (prefiro seguir com minha educação e com respeito à fala dos outros, ainda que a minha não seja respeitada/ouvida);
B) buscasse remédios para ficar totalmente curada;
C) passasse a achar sua família desagradável;
D) assumisse o traço marcante de sua família;
E) acusasse seus interlocutores de atrapalharem o trânsito.
Questão 5 - "Não é um defeito que mereça entrar no rol dos crimes hediondos, mas é bem chato: pessoas que falam
em cima da fala da gente". O termo em destaque tem como sinônimo:
A) diferentes;
B) edificantes;
C) abjetos - Que causa um desconforto isso é fato, eu sinto (educação e respeito são cruciais para a vida em sociedade, me enoja a falta deles);
D) infecciosos:
E) acusatórios.
Depois de bastante tempo, em um tempo nem tanto tempo distante assim, também fazendo o papel de "interruptor" das falas alheias, percebi minha falta de educação. E resolvi pelo menos tentar melhorar nesse sentido. Já a algum tempo venho tentando. É o que posso fazer.
Já em relação ao outro, meu interlocutor, muito pouco ou praticamente nada posso fazer. No máximo algumas dicas ou indiretas, sem interrompê-lo, ainda que o mesmo me interrompa. Infelizmente seguiremos com essa falta de educação, ainda por muito tempo.
De uns tempos para cá, o que venho fazendo ao sofrer interrupções na fala ou raciocínio, é abandonar minha interlocução. Se não há interesse nem educação por ouvir-me, calar-me-ei então. Cansei de perder tempo.
Respostas corretas segundo o Gabarito Provisório divulgado na segunda (02/10).
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