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quarta-feira, 4 de julho de 2012

inDependence Day...?



O zurro desnacionalizante

Em todos os setores onde as multinacionais passaram a ser predominantes, foram eliminados, ou espremidos violentamente, os elos da cadeia produtiva que fabricavam bens intermediários para a própria indústria. E sem indústria de componentes, bens intermediários, é inútil falar em inovação tecnológica ou salto de competitividade
CARLOS LOPES
       Este artigo já estava pronto quando acabamos de ler o relatório da consultoria norte-americana Price Waterhouse (PW) sobre as "fusões e aquisições" no Brasil, correspondente ao mês de abril. Por alguma razão, que não precisamos aventar, os relatórios dessa consultoria são bem menos precisos que os da consultoria holandesa KPMG – que são trimestrais – utilizados em artigo recente (ver HP, 25/04/2012 e, sobretudo, a errata publicada na edição de 09/05/2012).
       É um pouco triste ter que recorrer a relatórios de consultorias holandesas ou norte-americanas para saber a situação da economia brasileira. No entanto, assim é a vida. Um dia – esperemos que brevemente – o Estado brasileiro poderá fornecer tais informações. Portanto, continuemos.
[ . . . ]
       Em suma, leitor, encontramos o seguinte:
Dia 01/06:
- A CTF, maior empresa nacional de cartões de combustíveis, foi comprada pela norte-americana FleetCor Technologies.
- A SLC, uma das maiores companhias brasileiras no ramo da agroindústria, foi comprada pelo Valiance Asset Management Limited, com sede na Inglaterra.
- A empresa mineira Senergy foi comprada pela alemã Siemens.
- A Meizler Biopharma, empresa brasileira farmacêutica, foi comprada pela multinacional belga UCB.
- A Netshoes, de artigos esportivos, passou a ser controlada pela Temasek, de Singapura.
Dia 04/06:
- A Siac, de Minas Gerais - que produz cabines, toldos e plataformas para máquinas de movimentação de terra, agrícolas, florestais e mineração – foi comprada pela International Equipment Solutions, pertencente ao fundo KPS Capital Partners, dos EUA.
- A SFDK, empresa nacional de análise de produtos alimentícios, foi comprada pela TUEV SUED, da Alemanha.
- 40% da BSM Engenharia, fornecedora da Petrobrás, foi comprada pelo Acon Investment, dos EUA.
- A Flores Online, cujo nome dispensa apresentações, teve 32,5% do capital comprado pela  1-800-flowers .com, dos EUA.
Dia 05/06:
- A XPRO, empresa nacional de equipamentos médicos (em especial, Raio-X), foi comprada pela GE.
- A divisão de catalisadores da Oxiteno, empresa do grupo Ultra, foi vendida para a suíça Clariant (a fusão da Sandoz com a Hoechst).
Dia 06/06:
- A Yoggi, aquela do iogurte, foi comprada pela BFFC (EUA).
Dia 08/06:
- A Manager Systems (apesar do nome, uma empresa nacional de software médico) foi comprada pela 7 Medical Systems (EUA).
Dia 11/06:
- A Crivo, da área de tecnologia da informação (TI), foi adquirida pelo TransUnion, formado pelo Goldman Sachs Capital Partners e pelo Advent International.
- A rede de restaurantes Batata Inglesa e suas empresas (Marcas Comestíveis, Orange Fantasy e Squadro Lanchonetes) são adquiridas pela International Meal Company (IMC), dos EUA.
- A Taterka, uma agência de publicidade brasileira, é adquirida pelo Publicis Groupe, da França.
Dia 17/06:
- A Itaforte BioProdutos, que produz defensivos biológicos para a agricultura, foi comprada pela Koppert Biological Systems, com sede na Holanda.
Bem, leitor, nós paramos por aqui.
INTERESSE
       . . . O sr. Eike é o único empresário supostamente brasileiro que sempre consegue se associar a empresas estrangeiras com estas em minoria. Como ele também negocia ações, na Bolsa, de empresas que não estão funcionando – e ainda consegue que o BNDES lhe financie – pode ser outro milagre empresarial...
       . . . "o interesse do investidor estrangeiro [em comprar empresas] no País tem aumentado frente às incertezas encontradas nos mercados internacionais e deve aumentar nos próximos meses" . . .
       Se continuarmos desse jeito, restarão muito poucas empresas nacionais no mercado interno, se é que restará alguma. Existe gente – por exemplo, o atual ministro da Fazenda - que não acha isso ruim. O problema, portanto, é: quais seriam as consequências disso? Mais precisamente: quais estão sendo as consequências? Aqui, nos deteremos, basicamente, sobre o desenvolvimento tecnológico, em tentativa de atender ao chamamento da presidente Dilma, que declarou, no último dia 4, na recepção ao rei da Espanha: "O Brasil está se preparando para um salto de competitividade em sua economia. Para isso é necessário um desenvolvimento acelerado de nossas capacidades científicas e tecnológicas".
CAPACITAÇÃO
       A invasão das multinacionais – isto é, a aquisição em massa de empresas nacionais por dinheiro estrangeiro - implica, necessariamente, em desindustrialização do país, na medida em que devasta a indústria de componentes e bens intermediários. O exemplo mais evidente é a indústria eletrônica, que teve a fabricação de componentes liquidada no governo Fernando Henrique Cardoso – a fabricação foi substituída pela importação.
     . . . Que grande inovação tecnológica pode haver na montagem de componentes importados?       [ . . . ]    As multinacionais monopolizam o desenvolvimento tecnológico (a P&D – pesquisa e desenvolvimento) e o concentram no país onde se localiza a matriz. Esse é exatamente o conteúdo do "pós-industrialismo" e da "economia de serviços", ideologia predominante na direção dos monopólios norte-americanos: transferir unidades produtivas para países com mão de obra mais barata e centralizar na matriz as atividades e gastos com P&D . . . Por isso, a desnacionalização da economia – e, em especial, a desnacionalização da indústria – implica, necessariamente, em estagnação e atraso tecnológico.
       Um trabalho recente sobre a relação entre "investimento direto estrangeiro" (IDE) e desenvolvimento tecnológico faz a seguinte consideração, resumindo as conclusões da economista norte-americana Alice H. Amsden:
       ... se um país em desenvolvimento pretende superar seu atraso tecnológico, a atração de empresas multinacionais não seria o melhor caminho a ser buscado, dado que a internacionalização tecnológica ocorre em montante limitado, e direciona-se especialmente a processos pouco inovadores. Mesmo considerando que as subsidiárias investem em aprendizado local para adaptar os produtos às preferências dos consumidores locais, o desenvolvimento completo de um novo produto ou processo próximo à fronteira mundial é praticamente inexistente ...
       A autora acrescenta a seguinte nota:
       Freeman (1987), apud Cassiolato (1992), enfatiza que a transferência tecnológica via subsidiárias, como a importação de turnkey plants elaboradas e implementadas por estrangeiros, não resulta em um processo intenso de acumulação tecnológica na empresa ou país receptor, que teria uma atuação passiva. O autor compara esses métodos com a política japonesa de rejeitar investimento estrangeiro e colocar a responsabilidade total na firma doméstica pela assimilação e aprimoramento da tecnologia importada, o que levou o Japão a se tornar uma potência tecnológica.
[ . . . ]    Notavelmente – embora não inesperadamente – em todos os setores onde foi maior o "esforço tecnológico", tal se deveu à iniciativa nacional, pública ou privada.       [ . . . ]
       Menos conhecido é o caso da indústria de "madeira, celulose e papel":
... a positiva performance tecnológica está diretamente relacionada ao fortalecimento da indústria nacional de celulose fibra curta de eucalipto, que vem apresentando crescente capacidade competitiva. (...) esse resultado reflete investimentos históricos realizados pelo setor. Já no início dos anos 50, técnicos da S.A. Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo inovaram ao conseguir produzir papel para escrever com celulose de eucalipto . . . Durante o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) foi formulado o Primeiro Programa Nacional de Papel e Celulose (I PNPC), em 1974. Nesse momento, ganha impulso a pesquisa voltada a aprimorar a tecnologia florestal. As grandes empresas de celulose passam a investir no melhoramento genético que resultou, nos anos 90, na maior produtividade florestal do mundo.
Durante anos, houve quem propagandeasse, em nosso país, que a empresa nacional – especialmente a empresa industrial nacional – era desnecessária. E todas as vezes em que tal estupidez prevaleceu, não fizemos mais do que regredir

       Se os avanços tecnológicos brasileiros nas áreas do petróleo, aeronaves, madeira, celulose e papel evidenciam que quanto menor o controle estrangeiro sobre determinado setor da economia, maior o "esforço tecnológico" (=gastos com P&D/valor da produção X 100), a recíproca mostrou-se verdadeira. Quanto mais desnacionalizado um setor, menor o "esforço tecnológico" - inclusive quanto aos gastos com P&D das próprias filiais de multinacionais.
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CONHECIMENTO
       Alguns leitores, já convencidos há muito – afinal, não é uma descoberta nova - de que a invasão do país por filiais de multinacionais é um atraso de vida, pior ainda quando se dá pela compra em massa e desnacionalização de empresas nacionais, podem estranhar a forma como estamos repisando argumentos e citando trabalhos – sobretudo empíricos – mais recentes.
       No entanto, se há um campo do conhecimento especialmente sujeito à luta política e ideológica, este é a economia (o que se chamava, com mais exatidão, "economia política"). Freqüentemente, em novas situações (ou nem tão novas, quanto à essência) é necessário provar que determinadas verdades continuam verdadeiras – ou não.
       Por exemplo, vejamos o seguinte trecho de um artigo que saiu na imprensa no último dia 15:  Só até o mês de maio, mais de 10 grandes empresas brasileiras foram compradas por grupos internacionais. Carlos Alberto Milani, economista do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), afirma que este fenômeno tem efeito positivo na economia brasileira. ‘É dinheiro estrangeiro entrando no país que culmina não apenas em futuros projetos que serão feitos pelos empresários que venderam seus negócios como também em tecnologia e investimento de ponta – ainda não disponível no país – que vêm de fora’, explica.
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MERCADO
       Durante anos, houve quem propagandeasse, em nosso país, que a empresa nacional – especialmente a empresa industrial nacional – era desnecessária. E todas as vezes em que tal estupidez – o leitor há de convir: esse zurro antinacional – prevaleceu, não fizemos mais do que regredir.
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       A reversão desse quadro é uma questão política. Alguém já disse que se trata de escolher que desenvolvimento nós queremos. Entretanto, antes, trata-se de escolher se queremos ter desenvolvimento. Um dos trabalhos que mencionamos, termina com algumas palavras de Celso Furtado, que reproduzimos – expandindo um pouco a citação:
A miragem de um mundo comportando-se dentro das mesmas regras ditadas por um super-FMI existe apenas na imaginação de certas pessoas. (…) A idéia de que o mundo tende a se homogeneizar decorre da aceitação acrítica de teses economicistas. (…) a distribuição da renda nos planos nacional e internacional é assunto regido predominantemente por fatores políticos. (…) Nossa política econômica deveria adotar como objetivo estratégico o crescimento do mercado interno, o que significa privilegiar os interesses da população (Celso Furtado, O Capitalismo Global, Paz e Terra, 1998).


* Carlos Lopes é primeiro vice-presidente do PPL
http://www.partidopatrialivre.org.br/ - Acessado em 29/06/2012.

_Quem quiser uma leitura complementar (acessada em 03/072012) pode conferir no link abaixo:
Brasil cai para 58º em ranking de países mais inovadores


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